Wednesday, June 21, 2006

 

Não se zanguem comigo, amigos Raçudos, por mais um poema sério



Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei.
De nada me serviria sabê-lo
Pois o cansaço ficaria na mesma,
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...

E a luxúria muda de não ter já esperanças?

Sou inteligente: eis tudo.

Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto me dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.


24/6/1935

Álvaro de Campos

Comments:
Fernando Pessoa ao seu melhor.
 
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